Imagem – Texto, uma relação mais íntima do que parece
Sintaxe, semântica, morfologia, interpretação de textos… Uma lista de todos os assuntos de língua portuguesa é difícil de fazer. Se tivéssemos de fazer uma lista de assuntos mais específicos, estaríamos mesmo lascados? Opa! Olha essa palavra típica da Região Nordeste… Variação linguística também teria que entrar na lista!
Pois é, em língua portuguesa é assim: um assunto se relaciona ao outro e a maior parte dos estudantes que vai, pela primeira vez, participar do ENEM se sente perdida. Uma das melhores estratégias para se situar e orientar o foco nos estudos é observar a recorrência de um assunto ou formato de questão.
Na prova de 2013, por exemplo, observamos que 11 das 40 questões da Área de Linguagens Códigos e Suas Tecnologias abordavam algum tipo de texto não-verbal ou híbrido, em outras palavras, textos com imagens. Isso quer dizer que entender aspectos não-verbais é importante também. Entendido? Então, vamos praticar! Aqui vai uma análise detalhada de uma questão dessa prova…
Texto I
Andaram na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e daí a pouco começaram a vir mais. E parece-me que viriam, este dia, à praia, quatrocentos ou quatrocentos e cinquenta. Alguns deles traziam arcos e flechas, que todos trocaram por carapuças ou por qualquer coisa que lhes davam. […] Andavam todos tão bem-dispostos, tão bem feitos e galantes com suas tinturas que muito agradavam.
(CASTRO, S. A carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L&PM – fragmento)
Este é um trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha, escrita ao Reino de Portugal sobre a descoberta de novas terras. Nesse fragmento,
Caminha transmite suas impressões sobre os nativos.
Observe o que destacamos em negrito no texto.
A primeira expressão “parece-me” deixa claro o papel de observador do autor, ele estava vendo a aproximação dos indígenas.
Na parte final do trecho, percebemos que ele comunica sua opinião sobre os nativos, os qualificando. Observe os adjetivos: bem-dispostos, bem feitos, galantes. E termina dizendo que a tintura dos corpos agradava, quer dizer, ele achava bonita.
Essa caracterização, então, é exemplo dessa percepção de um homem europeu e colonizador sobre os indígenas.
Texto II
Este segundo texto-base é uma tela do pintor brasileiro Cândido Portinari, que produziu durante o século XX. A primeira dificuldade de muitos estudantes é não reconhecê-la como um texto. Ou seja, precisamos saber que a imagem comunica algum sentido, que depende da relação das partes que a compõem – é a mesma lógica de um texto verbal, a diferença é que não lidamos com palavras, e sim com imagens.
Inicialmente, já nos damos conta de que a técnica da pintura não é muito figurativa (aquela que pretende retratar mais fielmente a realidade) e vemos traços que lembram o cubismo, pelas formas geométricas. Não temos dificuldades para reconhecer as caravelas se aproximando da orla da praia e nativos brasileiros na praia que olham a chagada das embarcações. Consegue ver? Então continuemos a análise… Sabemos que a obra se chama “Descobrimento do Brasil”, podemos, então, compreender a relação desses elementos à cena histórica que se pretende relatar.
Se prestarmos atenção, podemos observar a atitude dos nativos. Eles estão com corpos pintados e segurando lanças, apontam para as caravelas. Duas figuras chamam atenção. Sabe quais? A primeira ocupa o centro da tela: um homem está em uma postura diferente da dos outros e ergue a lança sobre a cabeça. Será que ele está desesperado ou pensando em reagir? As duas possibilidades fazem sentido. A segunda ocupa o canto direito e tem destaque por estar em outra cor – azulada. É um menino que parece não querer olhar para está acontecendo e é amparado pela mão de um adulto.
Todos esses elementos nos mostram que o quadro focaliza a reação dos nativos com a chegada dos colonizadores portugueses. Outra pista é o ponto de vista da pintura: observe que se trata de uma perspectiva da praia para o mar, e não do mar para a praia – a pintura tenta, então, mostrar a visão dos índios, de quem estava na terra antes da chegada dos colonizadores.
Entendeu tudo? Está pronto para responder? Vamos acertar, eliminando também as respostas incorretas.
Pertencentes ao patrimônio cultural brasileiro, a carta de Pero Vaz de Caminha e a obra de Portinari retratam a chegada dos portugueses ao Brasil. Da leitura dos textos, constata-se que
- a) a carta de Pero Vaz de Caminha representa uma das primeiras manifestações artísticas dos portugueses em terras brasileiras e preocupa-se apenas com a estética literária. ( Incorreta. Como vimos, a carta tinha objetivo de relatar as descobertas ao Reino)
- b) a tela de Portinari retrata indígenas nus com corpos pintados, cuja grande significação é a afirmação da arte acadêmica brasileira e a contestação de uma linguagem moderna. (Incorreta. A resposta é bem absurda, por desconsiderar o primeiro texto. Além disso, não há afirmação da arte acadêmica, porque esse tipo de arte era essencialmente figurativa – século XIX – e a linguagem do pintor era mais moderna)
- c) a carta, como testemunho histórico-político, mostra o olhar do colonizador sobre a gente da terra, e a pintura destaca, em primeiro plano, a inquietação dos nativos. (Correta. Não ficou difícil depois da análise, certo?)
- d) as duas produções, embora usem linguagens diferentes — verbal e não verbal —, cumprem a mesma função social e artística. (Incorreta. A carta tinha uma função muito prática, enquanto a tela retrata artisticamente uma perspectiva sobre um acontecimento)
- e) a pintura e a carta de Caminha são manifestações de grupos étnicos diferentes, produzidas em um mesmo momento histórico, retratando a colonização. (Incorreta. Basta ver a data da tela – século XX – e lembrar a data da “descoberta” – século XVI)
Viu como a interpretação dos textos foi importante? Entendeu como essa tarefa deve ser executada? Agora, observe que, além disso, também precisamos de alguns conhecimentos sobre Artes, de modo geral. Isso se deve a outra característica da prova do ENEM: relacionar as disciplinas que compõem as áreas gerais. Conversaremos mais sobre isso depois, é assunto para outro post. Até breve!
Professor Bruno